Desde a noite de 21 de janeiro, brasileiros e argentinos reagem à retomada de uma ideia já apresentada antes: a criação de uma moeda sul-americana em comum para transações comerciais e financeiras. Os brasileiros sugerem que a moeda receba o nome de SUR.
Isso porque o presidente Lula e o atual presidente da Argentina, Alberto Fernández, assinaram em conjunto um artigo, publicado no jornal argentino Perfil, sobre a possibilidade de uma moeda em comum entre os dois países. O debate deve ganhar ainda mais força agora que o presidente brasileiro desembarcou em solo vizinho para participar da cúpula da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos).
Em 2022, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Gabriel Galipolo, seu atual secretário executivo apresentaram a ideia de criar uma moeda em comum entre países vizinhos, para impulsionar a integração e fortalecer a economia do continente. Anteriormente, o ex-ministro da Economia Paulo Guedes também idealizou um projeto semelhante, mas não foi adiante.
Ao desembarcar na Argentina, Haddad conversou com jornalistas e afirmou que está em contato com Sergio Massa, ministro da Economia da Argentina, debatendo a iniciativa e as alternativas para viabilizá-la.
Para que uma nova moeda?
Se o Brasil já tem o real e a Argentina tem o peso, por que criar uma moeda em comum?
Hoje, a maioria das transações comerciais feitas entre os países de qualquer lugar do mundo é realizada em dólar, inclusive entre Brasil e Argentina. O dólar é a moeda de referência (como determinado no Acordo de Bretton Woods) e a única aceita em todas as transações comerciais.
Ou seja, se o Brasil exportar um produto para a Argentina, provavelmente o contrato será feito em dólar. Portanto, o valor a ser pago será convertido de peso para dólar e de dólar para real.
“O dólar é a moeda de transação global para pagamentos de bens e serviços, importações e exportações, porque é a moeda aceita mundialmente. O exportador fica muito mais seguro de vender seu produto em um contrato em dólar. É uma moeda forte e todo mundo conhece seu valor. Não fica sujeito a perdas por eventuais situações específicas de cada país, como a inflação da Argentina, por exemplo”, explica o economista Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria.
Segundo os defensores da ideia, desenvolver uma moeda em comum poderia facilitar e simplificar essas transações, já que a SUR seria aceita nos dois países. No artigo divulgado pelo jornal Perfil, Lula e Alberto Fernández defendem a moeda: “Temos a intenção de superar as barreiras em nossas trocas comerciais, simplificar e modernizar as regras e fomentar o uso das moedas locais”.
Sob o olhar brasileiro
Em 2022, a Argentina foi o terceiro país que mais importou produtos do Brasil, deixando o saldo da balança comercial positivo em US$ 2,2 bilhões, 30% a mais do que em 2021.
Uma moeda em comum facilitaria ainda mais a troca comercial entre os países, alavancando esse número. Porém, especialistas apostam que a iniciativa parte de um viés mais político, de aproximação com o governo argentino e fortalecimento da parceria entre eles, do que econômico.
“Não vejo muitos ganhos econômicos para o Brasil, a não ser uma política externa mais ligada a países emergentes, que é um pouco o que o governo Lula fez durante os primeiros dois mandatos e está tentando retomar no terceiro. Vejo mais uma questão política do que uma racionalidade econômica”, diz Ricardo Hammoud, professor de macroeconomia do Ibmec São Paulo.
Sob o olhar argentino
A Argentina enfrenta uma de suas maiores crises econômicas, o que desvaloriza a moeda do país diante do mercado global. Em 2022, a inflação anual chegou a 94,8%, a maior dos últimos 32 anos.
Segundo Campos Neto, uma nova moeda em comum com o Brasil poderia ajudar a fortalecer o olhar do restante do mundo em relação à Argentina.
“Por que estão discutindo isso? Basicamente porque a Argentina tem uma restrição externa gigantesca. Eles não têm dólares em caixa hoje. Isso está dificultando ainda mais o próprio funcionamento da economia. Não conseguem importar do que precisam porque não têm moeda forte para pagar, diferentemente do Brasil, que não tem esse problema.”
É o fim do real e do peso?
Não. A princípio, a nova moeda não entraria em circulação no país. Ou seja, nada mudaria no bolso dos brasileiros e argentinos, que não passariam a pagar contas e bens com a SUR. O objetivo hoje é de que a moeda seja usada apenas para transações comerciais, para importação e exportação sem depender do dólar.
Mas, esse pode ser um primeiro passo para um movimento futuro de longo prazo, daqui cinco ou dez anos. “Em tese, o euro também começou dessa maneira, como uma unidade de transações comerciais e financeiras entre os países para depois se tornar efetivamente a moeda única”, diz Campos Neto.
Segundo economistas, a criação de moeda única, como funciona o euro para a Europa, é um processo mais longo e demorado. A União Europeia levou quase uma década para implantar a moeda única dos países integrantes, e este não é o objetivo brasileiro no momento. “Para a unificação de uma moeda, as políticas econômicas devem estar coordenadas, com as principais instituições operando de modo semelhante, diferentemente do cenário atual, em que o Brasil se mostra estabilizado se comparado à Argentina, que passa por fortes problemas financeiros”, afirma Hammoud.