
“Vamos agir ou encaramos a lenta agonia do declínio.” O alerta não parte de críticos externos, e sim de Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro da Itália, em um relatório de 400 páginas encomendado pela Comissão Europeia, o braço executivo que administra a União Europeia (UE).
O documento com o diagnóstico do economista foi divulgado em setembro de 2024 e trazia também as três principais ações que precisariam ser colocadas em prática com urgência:
1 – Acelerar o desenvolvimento tecnológico para não perder espaço para os Estados Unidos e a China.
2- Aproveitar oportunidades do processo global de descarbonização.
3 – Proteger as cadeias de suprimentos de dependências geopolíticas, ou seja, não depender das vendas para um único destino.
O relatório revela que o continente precisa de investimentos anuais de cerca de 800 bilhões de euros (aproximadamente 5 trilhões de reais) para evitar o colapso de sua competitividade. “Toda a Europa está atrasada em relação à inteligência artificial e aos demais elementos da revolução digital e tem se distanciado muito da produtividade dos Estados Unidos”, explica Celso Grisi, professo da FIA Business School.

Dados da Trading Economics, divulgados pela BBC, dão uma ideia da desaceleração da economia no continente: em 2000, os 20 países da zona do euro representavam quase 20% da economia mundial. Em 2023, essa participação caiu para menos de 15%. No mesmo período, a China saltou de menos de 4% para 17% do PIB global.
Neste século, a economia europeia cresceu, em média, 1,27% ao ano, menos da metade da média mundial, que ficou em 2,97%. Após a pandemia, enquanto a economia global aumentou 10% em relação aos níveis pré-pandemia, a zona do euro alcançou 3%.
Na visão de Grisi, essa crise tem a ver com a falta de consenso entre os países. A UE, criada para fortalecer o continente, tornou-se em parte fonte de seu enfraquecimento pela dificuldade em estabelecer acordos. Um exemplo concreto é a fragmentação dos mercados de capitais. “Os países não conseguem criar um plano de união para ter um único mercado. Isso tem sido pensado desde 2015, mas as discussões não avançam”, explica Grisi.
A consequência é a fuga de empresas tecnológicas europeias, que buscam capital em mercados mais amplos, principalmente nos EUA, aprofundando o atraso tecnológico e a dependência.
O reflexo na política
O declínio econômico tem sido apontado como um dos motivos para o crescimento da extrema direita em diversos países europeus, incluindo a Alemanha. Nas eleições realizadas em fevereiro, o Alternativa Para a Alemanha (AfD), partido de extrema direita, alcançou um resultado histórico, conquistando 20,9% dos votos e se tornando a segunda maior força no parlamento.
A sigla deixou para trás o Partido Social-Democrata (SPD), que registrou seu pior desempenho, com 16,4% dos votos. A eleição foi vencida pela aliança conservadora União Social Cristã (CSU) e União Democrata Cristã (CDU), liderada por Friedrich Merz.
“A Alemanha vive um momento de insatisfação da população com os níveis de emprego, a queda do padrão de vida e uma inflação muito alta”, diz o professor da FIA.
Aliados históricos da Europa, os EUA, sob a batuta de Donald Trump, têm ameaçado ser uma barreira a mais para atrapalhar a retomada do crescimento. O presidente norte-americano disse que irá impor sobretaxas de 25% sobre as importações da UE, que, segundo ele, foi estabelecida para “ferrar” os EUA.
Uma reconfiguração global?
Apesar da pisada no freio, a Europa mantém um dos mais altos padrões de vida do mundo, com renda per capita média de 37,4 mil (218 mil reais) por ano nos países da zona do euro, mais do que o triplo da China.
Se esse encolhimento da economia persistir, quais seriam as consequências para o mundo? “O primeiro resultado seria uma mudança nos fluxos de comércio. Se hoje todo o mundo trabalha para alcançar o mercado europeu e exportar para aquela região, a tendência é buscar novos mercados”, diz Grisi. Os investimentos externos diretos também podem buscar novos destinos — nações como México e Índia têm atraído cada vez mais capital.
O futuro do continente dependerá de sua capacidade de superar rivalidades internas e estabelecer políticas conjuntas que promovam a inovação e a competitividade, a fim de manter sua posição como polo de poder em um mundo cada vez mais multipolar.
Fontes: BBC e O Globo.