“Dinheiro é como o tempo, tem que ser bem usado antes que acabe”

21 de setembro de 2022 em Edições Impressas, Entrevista

Myrian Lund começou a investir aos 20 anos, quando ainda estagiava e observou um de seus chefes comprando e vendendo ações. “Eu me encantei com o que vi e decidi experimentar”, conta. Naquele tempo não havia aplicativos ou internet banking, era preciso ter um corretor para fazer as transações.

A experiência a levou para o mercado financeiro. Myrian foi a primeira mulher gestora de fundos de ações no Brasil. Depois de dez anos, decidiu se dedicar à vida acadêmica. O desejo inicial eractrabalhar com gestão de pessoas, mas o prazer pelo mundo das finanças falou mais alto.

Hoje, além de professora de finanças da Fundação Getulio Vargas, ela coordena MBAs em cooperativismo de crédito e faz atendimento como planejadora financeira, especialmente para o público jovem. Nesta conversa com o TINO, ela respondeu perguntas da Maria Eduarda S., de 15 anos, aluna do 1° ano do Ensino Médio.

Como podemos iniciar o planejamento financeiro?

A primeira coisa a fazer é entender que o dinheiro é escasso como o tempo. Quando você sai da escola na sexta-feira, quer fazer um monte de coisas no fim de semana, mas não dá tempo. Se não se planejar, o tempo passa e você não fez nada. Com o dinheiro é a mesma coisa. Ele tem que ser bem usado, antes que acabe.

O dinheiro que ganhamos deve ser dividido em três partes: a primeira é uma reserva de emergência, que é uma quantia que deve ser usada para um cinema com os amigos ou uma viagem; outra parte vai para o futuro; e o restante é para os sonhos. Então é preciso definir os sonhos para poder guardar dinheiro de acordo com eles.

E não se esqueça de determinar uma data, porque isso vai ajudá-lo a saber quanto tem que juntar. Feito isso, guardar dinheiro deixará de ser um sacrifício, pois estará ligado à realização de um sonho.

Tem percentuais ideais para cada uma dessas partes?

O ideal seria guardar 30% do que você ganha. E, desse total, separar 10% para a reserva de emergência, 10% para a aposentadoria e 10% para os outros sonhos.

A partir de que idade devemos começar?

A educação financeira deve começar aos 3 anos. É óbvio que, com essa idade, ninguém sabe o que exatamente é dinheiro e o que não é, mas já pode começar a se organizar e entender que precisa se planejar. A mesada já pode ser paga quando a criança souber ver números e fazer conta. Nesse momento ela já é capaz de começar a se planejar.

Quais são os principais erros das pessoas quando elas iniciam o planejamento financeiro?

Há uns 20 anos, surgiu uma ciência nova, conhecida como economia comportamental, que estudou esse tema. Neurologistas, economistas e psicólogos se juntaram e descobriram por que gastamos mais do que ganhamos, mesmo sabendo que não é o certo. Eles chegaram à conclusão de que temos dois sistemas no cérebro: o sistema 1, que é rápido, mais emocional; e o 2, que é mais analítico, porém, preguiçoso — ele precisa ser acionado pelo sistema 1 para entrar em ação.

Nas finanças pessoais, um dos principais erros é não anotar o que gastamos porque temos preguiça. Por isso, começamos a fazer uma contabilidade mental. Segundo os neurocientistas, dessa maneira, só lembramos dos grandes gastos, aquele gastinho pequeno não é registrado. Por essa razão o dinheiro acaba rápido.

Os gastos por impulso são causados pelo sistema 1?

Sim. A mídia e o marketing estudam como encantar as pessoas para que nunca decidam usar o sistema 2, e sim apenas o sistema 1, que é rápido. Na hora que vê um tênis lindo na loja, você não lembra dos pares que tem em casa e acaba comprando sem realmente precisar. Por isso tem que ter um planejamento. Ele é o seu guia. Não é que você não possa comprar o tênis, mas tem que comprar sabendo de onde vai sair o dinheiro. Do que você vai abrir mão para fazer essa aquisição? Será que o tênis vai impedi-lo de viajar nas próximas férias? Com isso em mente, você escolhe se quer ou não fazer a compra.

E por que o planejamento financeiro é tão pouco abordado com os jovens?

Porque o Brasil não tem essa cultura. Somos um país em que antigamente havia muita inflação. Tinha um plano econômico atrás do outro, e isso impedia que as pessoas conseguissem fazer um planejamento financeiro.

Aplicar na poupança era o melhor que havia. Hoje, além da maior estabilidade econômica, as pessoas vivem mais tempo, então, a necessidade de saber investir é maior, mas nem todos têm essa capacidade desenvolvida em casa ou na escola.

E as escolas podem ajudar os adolescentes a se planejar?

Podem ajudar muito. Se eu ensino os princípios do planejamento para um jovem, é mais fácil ele adotar do que outra pessoa com muitos hábitos e manias. À medida que o jovem aprende, ele leva esse conhecimento para casa e apresenta esse caminho para a mãe e o pai. Mas é um processo lento, porque os professores têm que ser treinados. Em breve, isso vai ser matéria comum em todas as escolas, mas, por enquanto, ainda estamos na fase de aprender.

Só quem tem dinheiro consegue fazer um planejamento ou todos são capazes?

Tem uma frase de que gosto muito e sempre repito que é: você não precisa ser rico para investir, mas precisa investir para ser rico. Ela é um bom ponto de partida. É um estímulo para começar a traçar objetivos e colocar os planos em prática. Você passa a juntar dinheiro a partir do momento que se planeja.

 Menina com celular. Foto criada por diana.grytsku - br.freepik.com

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