Com uma pequena lanchonete na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, André Martins e o sócio, Rian dos Santos Deolindo, ganharam fama pelo jeito ímpar de criar e executar ideias. Falta de recurso nunca foi justificativa para não fazer. Com criatividade e tirando o máximo proveito das oportunidades, eles fizeram do Mega Lanches um caso de sucesso e frequentemente são convidados para dar palestras no Brasil e no exterior.
Nesta conversa com o TINO Econômico, Martins respondeu perguntas de João H., de 15 anos. Confira.
De onde veio a ideia de criar o Mega Lanches?
O Mega Lanches não surgiu de uma ideia, foi uma consequência. Eu vendia cachorro-quente quando a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) chegou e transformou tudo dentro da comunidade. Minha barraca e minha mercadoria foram parar dentro do caminhão de lixo, e eu fiquei desempregado na mesma hora.
Como não tinha carteira assinada, era complicado até sair na rua, porque eu poderia ser confundido com um bandido. Na mesma época, um vizinho que tinha uma lanchonete chamada Mega Lanches faliu.
Sugeri a ele reabrir a empresa em uma lojinha que ficava perto de onde eu colocava meu carrinho. Eu não sabia nem fritar um ovo, mas ele também estava sem perspectiva e não tinha nada a perder. Nessa época, eu tinha uma garrafa PET em que guardava moedinhas. Dentro dela tinha quase mil reais, que eu estava guardando para a ceia de Natal. Esse foi o capital inicial da nossa empresa.
Você conseguiu se realizar financeiramente com a sua empresa?
Eu ainda moro na comunidade, não sou um cara milionário, ainda estou crescendo, expandindo, ainda estou num momento de crescimento. Eu vivo bem, a minha filha estuda numa escola boa, a minha esposa tem conforto. Eu quero dinheiro, quero ter um carrão do ano, mas o mais importante para mim com o meu trabalho é tentar colaborar com as pessoas que estão aqui no nosso entorno. Há muito a fazer, e eu não posso esperar ficar rico para ajudá-las.
Qual seu plano para o futuro?
Meu objetivo maior não é vender mais — esse é o recurso que eu tenho para conseguir contratar mais. Meu maior objetivo é dar oportunidade para muita gente. Hoje nós somos uma família com 68 membros, e eu pretendo chegar até o fim de 2023 com uma centena de funcionários, essa é minha meta. E vamos fazer isso expandindo o negócio.
Com a chegada da pandemia a gente entendeu que não precisava mais montar uma loja em cada lugar. Percebemos que podíamos manter uma cozinha e expandir o serviço de entrega. A nossa loja da Rocinha atende a zona sul inteira, até Ipanema. A loja da Cidade de Deus atende Jacarepaguá inteira. E agora pretendemos colocar uma loja em Copacabana para pegar toda a amplitude da zona sul. E, nos próximos cinco anos, vamos ter mais quatro lojas, que vão atender todo o Rio de Janeiro, que é a nossa meta atual. Primeiro queremos atender a Grande Rio, para depois atravessar a Rio-Niterói e, em seguida, começar a distribuir por todo o Brasil.
Qual foi a principal dificuldade que você enfrentou quando começou?
A maior de todas foi a minha falta de expertise, eu estava num território completamente hostil, em que não sabia fazer absolutamente nada, e tinha que me reinventar todo dia. É muito difícil quando você trabalha com um produto que tem concorrente em toda esquina.
Essa foi a minha maior dificuldade: fazer com que as pessoas entendessem que eu tinha um produto de qualidade e que, se experimentassem pela primeira vez, virariam clientes.
Como aprendeu a administrar o seu negócio?
Eu nunca entrei numa faculdade para estudar, mas já dei mais de uma centena de palestras, e a maioria delas foi dentro de faculdades para pessoas que estavam se formando em administração e marketing.
Nossa maneira de aprender é trabalhar muito. A gente trabalha da hora que acorda até a hora de dormir; geralmente, eu e meu sócio dormimos duas, três horas por dia. A gente analisa muito os números do negócio. Por exemplo, agora virá a Copa do Mundo, então eu busco lá no meu histórico como foi a última Copa, como foi o movimento, se vendeu bem, quais produtos saíram mais e como eu vou trabalhar em cima disso. Então é assim que funciona.
A partir das informações, vamos qualificando o negócio. Por exemplo, lá atrás eu vendia o X-Tudo, que é aquele sanduíche que vem ovo, bacon, calabresa, alface… Ele não vendia bem, mas era o que dava mais lucro. Para tentar estimular as vendas, eu peguei o mesmo sanduíche, dei uma cara nova e mudei o nome para Mega Boladão. Comecei a trabalhar com ele nas redes sociais usando bastante humor, e hoje esse sanduíche vende três vezes mais do que qualquer outro item da minha loja.
Que conselho daria para quem quer começar um negócio?
A primeira coisa que eu falo é: se prepare, estude. Hoje, se tivesse um inglês fluente, se tivesse terminado os meus estudos numa faculdade, eu já tinha explodido, já teria 30 lojas.
Eu senti muito essa falta de formação. Eu não sabia falar corretamente. Nas palestras, para não perder a credibilidade, eu pedia para as pessoas: “Vou falar errado, mas vocês não deixem de ouvir o que eu tenho a dizer. E, se puderem, no fim me falem onde errei”. As pessoas começaram a escrever meus erros num papelzinho e o colocavam no meu bolso. Quando eu chegava do hotel, eu abria os papéis na cama e começava a estudar. Assim aprendi a falar melhor. Então, o meu conselho é: estude o máximo possível, não somente pelas notas, e sim para se preparar para o mercado de trabalho.
E, toda vez que você tiver uma ideia ou um sonho, não fique esperando aparecer um gênio da lâmpada para realizá-lo. Transforme seus sonhos em metas e sempre procure trazê-los mais perto do alcance da sua mão. Esse é o melhor conselho que eu posso deixar.