Alan Soares, de 24 anos, sempre foi o amigo com fama de pão duro — o que para ele era um elogio. No restaurante, pedia água da casa; no fim de semana, sugeria passeios gratuitos em vez de uma volta no shopping para gastar dinheiro. Foi assim, na prática, que ele foi adquirindo conhecimento sobre a importância de poupar e ter prioridades.
O que era hábito se tornou uma carreira. Durante a pós-graduação, Alan recebeu a missão de transformar um hobby em uma plataforma digital. Foi assim que nasceu o @Boletinhos, uma página no Instagram que falar sobre finanças pessoais de maneira simples, bem-humorada e direcionada aos jovens. Com 78,9 mil seguidores, a página se tornou o livro Boletinhos: Como Virar Adulto Sem Surtar. Nesta entrevista para o TINO Econômico, Alan conta quem o inspirou a cuidar de seu dinheiro e sobre seu sonho de popularizar a educação financeira nas escolas.
Como você aprendeu sobre educação financeira?
Minha grande influência foi minha mãe. Ela não é da área financeira. Ela é técnica de enfermagem, mas sempre foi me ensinando no dia a dia, na prática mesmo, o valor do dinheiro. Sempre mostrava como tinha que trabalhar para conseguir dinheiro e estava frequentemente fazendo plantão para ter renda extra. Ela trabalhava em dois hospitais, e fui absorvendo ainda criança o valor que aquilo tinha e o quanto ela precisava se esforçar para conquistar seus objetivos.
Isso ainda na infância?
Sim, desde cedo. E com 16 anos, no ensino médio, eu fui trabalhar como monitor na biblioteca da escola e comecei a ganhar um salário de 100 reais. Apesar de ser um valor baixo, eu fazia questão de economizar uma parte pensando mais no médio e longo prazo. Eu não queria pegar o meu dinheiro e gastar tudo para chegar ao fim do mês e não ter mais nada. Por já ter aprendido com a minha mãe o valor de guardar, de ter prioridades, era tudo muito natural para mim.
Mas eu via que as outras pessoas, meus colegas, as pessoas da minha geração não tinham o mesmo comportamento. Elas recebiam o primeiro salário e já gastavam tudo no primeiro fim de semana. E, depois, elas começavam a vir até mim com muitas dúvidas. Eu acabei me tornando o amigo que sabia lidar com dinheiro, que ensinava um pouco, ajudava a economizar, a se organizar, criar uma planilha… E assim a educação financeira foi se tornando mais natural para mim.
E você falou que guardava o dinheiro. Você guardava em casa ou você já tinha um modo de aplicar?
Na época, eu ainda não tinha conhecimento sobre isso, mas eu guardava num cofrinho em casa e até esquecia daquele dinheiro. Eu guardava mais para ter uma reserva de emergência e, quando tirava, sempre deixava um pouco. Às vezes, as pessoas até vêm com essa dúvida se vale a pena deixar o dinheiro em casa, mas para quem não economiza nada qualquer gesto na direção de poupar já está ótimo. Um início é do que a gente precisa.
E você se lembra quanto conseguia guardar desses 100 reais?
Acho que conseguia guardar uns 30 reais.
Nossa, é bastante.
E eu guardava antes. No começo, quando eu recebia, já guardava. Porque quando a gente deixa para guardar no fim, não sobra nada. Tem que guardar antes e ir gastando o resto. Tem que pensar “meu salário é o que sobrou do que eu guardei, não o total”. Porém eu não fazia com tanto planejamento. Hoje eu já entendo mais da parte de planejamento, mas na época foi muito no feeling.
E como você se tornou referência de educação financeira para seus amigos?
Eu sempre fui meio pão-duro. Eu gostava de economizar nas pequenas coisas. Eu ia com o pessoal ao restaurante e não pedia bebida. Eu pedia água da casa, que todo restaurante tem que dar de graça. E quando a pessoa ia comprar algo, eu já falava: “Mas você precisa disso? Olha o preço”. Então as pessoas me pediam para ajudar a economizar. Quando entrei na faculdade, comecei a gostar de montar planilha, de organizar de fato. E todos pediam minha planilha.
O que mais você fazia que chamava a atenção dos seus amigos para essa questão de poupar?
Eu sempre fui da marmita, de levar marmita ao trabalho para não ter que gastar no restaurante, e comprava roupa em brechó. Meus amigos tinham um consumismo muito forte e eu nunca tive. Raramente eu ia comprar algo, não era um hábito para mim. Então, acho que as pessoas viam que eu economizava, porque eu não fazia questão de estar sempre comprando.
Como isso se transformou na sua carreira?
Foi na pós-graduação que eu fiz de narrativas multimídia. Uma das disciplinas era de mídias digitais, e a ideia era pegar alguma paixão que não tivesse a ver com trabalho e criar uma plataforma digital em cima disso. Eu criei o Instagram do Boletinhos para apresentar na disciplina. Entre criar e apresentar, as pessoas começaram a seguir espontaneamente. Foi assim que notei que havia uma demanda para esse tipo de conteúdo. As pessoas queriam conteúdo de finanças que fosse mais para os jovens, que fosse numa linguagem mais leve, mais divertida.
Muito legal o que você falou sobre falar com os jovens, porque se o jovem consegue esse entendimento de educação financeira, muda muito o futuro dele, não é?
É, eu acho que nunca é tarde, mas creio que quanto antes, melhor. Porque a pessoa já vai criando hábitos desde cedo, já nos primeiros salários, e quando sai de casa para morar de aluguel, já evita criar dívidas que, às vezes, duram anos. As pessoas às vezes se deslumbram porque estão ganhando o primeiro salário e já querem sair gastando tudo, sem pensar no futuro, porque ainda moram com os pais e não veem motivo para guardar. Realmente é provável que o dinheiro não faça falta, mas o hábito que vai se criando de não guardar nada, não organizar, não ter prioridades, não ter planos para o dinheiro atrapalha demais no futuro. Então, quanto antes começar a pensar sobre isso, melhor.
E como foi para transformar o Boletinhos em um livro?
O Boletinhos surgiu em abril de 2019, no Instagram. E um ano depois, no começo de 2020, o Selo Seguintes, da Companhia das Letras, mandou um e-mail pedindo que eu transformasse o Instagram em livro, e assim eu comecei a escrever. Mas, logo em seguida, veio a pandemia e o projeto deu uma parada. Retomamos aos poucos e conseguimos lançar em fevereiro deste ano. Esse tempo longo de trabalho foi uma oportunidade de expandir os assuntos, porque não queríamos que ele fosse só sobre finanças, queríamos que fosse um manual para a vida adulta.
Isso chama a atenção no livro, porque você traz muita coisa sobre a maturidade, com dicas práticas relacionadas à independência, e tem até exercícios. Isso foi surgindo ao longo da produção?
Eu sempre tive muito claro que o livro deveria começar mais teórico, contando um pouco da história da economia, mas que fosse se tornando cada vez mais prático, porque não adianta a pessoa se planejar e não colocar na prática e não adianta também não saber o que está fazendo e colocar na prática algo que ela não sabe como funciona. No livro essa foi uma preocupação, queríamos que tivesse um pouco do contexto, da história, mas caminhasse para a prática, desde receita de arroz e feijão até dica de como montar um currículo.
E como é que tem sido a recepção das pessoas?
Tem sido emocionante. Elas me mandam mensagens e falam que se surpreendem por ser um livro de finanças com linguagem muito acessível. Teve gente que falou que leu numa tarde e achou supergostoso. Para mim é um grande elogio.
Aqui no TINO Econômico, a gente fala muito com o estudante, o aluno mesmo da escola, pensando no 9º ano, ensino médio. Falando da importância da educação financeira, como você vê essa questão para os jovens dessa idade?
É essencial entender que as finanças não têm a ver só com números, só com dinheiro em si, salário, o que entra e o que sai. É, acima de tudo um hábito, uma cultura, um costume e que afeta não só nosso bolso, como nossa saúde mental e a nossa tranquilidade. Na adolescência, a gente vê nossos pais, nossos tios, nossos avós, enfim, os adultos à nossa volta sempre muito tensos, sempre muito preocupados com os boletos. É um assunto muito tabu ainda, e as pessoas geralmente falam de dinheiro como uma preocupação. Isso gera medo de virar adulto. Então, eu penso que tirar um pouco desse tabu, tirar um pouco desse medo do dinheiro, das finanças e do mercado de trabalho é importante. É preciso começar a conversar sobre isso, conversar abertamente. Mesmo os adolescentes que não têm emprego e não têm nenhuma renda já conseguem entender sobre hábitos, sobre como podem economizar em casa para ajudar os pais.
Tem algum conselho que teria feito diferença na sua vida em relação ao dinheiro?
Acho que um conselho que todo jovem deveria receber é sobre ter prioridades, porque, às vezes, as pessoas querem tudo e se frustram porque acabam não tendo nada. Acabam consumindo muito no impulso, e isso é uma característica muito forte atualmente. Então, ter prioridades e se manter focado nelas, é importante. E essa prioridade pode ser uma diversão, não precisa ser o pagamento da faculdade. Para comprar um videogame, por exemplo, não pode ficar comprando várias coisas ao longo do caminho, indo a lanchonete ou gastando com bobagem. Se fizer isso, vai chegar ao fim do ano e não vai ter dinheiro para o videogame. Então, acho que estabelecer metas independentemente do que seja é superimportante. Assim, quando chegar à vida adulta, a pessoa saberá que precisa abrir mão de algumas coisas para ter aquelas que realmente quer.
Tem muito jovem que acaba gastando muito para não ser excluído. Se todos os amigos estão indo ao cinema, acha que precisa ir também. Como resolver isso? Como conseguir ter as prioridades, gastar com aquilo de que você realmente precisa, sem também abrir mão da vida social?
Para mim funcionou levar tudo para o bom humor, reconhecendo que eu era pão-duro e as pessoas podiam me chamar de pão-duro mesmo, que para mim era elogio. Elas já sabiam que quando eu fosse a um rolê com elas, tinha que ser no parque, ou um passeio de bicicleta, que não precisasse pagar. Eu mesmo sugeria outros passeios que não envolvessem gastar. Então, pensar em outras opções de passeio menos óbvias, acaba sendo até mais divertido e mais barato.
Pensando em quem não tem salário, não tem renda, o que fazer? Como você ajuda o jovem que não tem renda mensal?
Tem que ter a participação dos pais. É melhor dar uma mesada ao filho e fazê-lo se organizar com esse dinheiro do que simplesmente dar um pouco de dinheiro toda vez que o filho pedir. É preciso conscientizar os filhos de que o dinheiro não é momentâneo. Meu sonho é que isso vá para as escolas, vá para a mídia, que as pessoas falem mais sobre isso e que se torne algo muito natural. Por enquanto ainda há muito tabu.
Mas você teria sugestões de como trabalhar isso?
O primeiro pensamento é de que isso precisa ser ensinado pelo professor de matemática. Eu acho que é uma matéria muito de humanas, para se falar sobre a história, consumo, hábitos, mercado, várias dessas questões que são anteriores à pessoa montar uma planilha. É preciso refletir sobre o que é o dinheiro e por que ele é importante. Mostrar que o dinheiro não é um fim em si mesmo, é um meio para as outras coisas. É sobre saúde mental e como isso afeta as famílias. É um assunto que rende muito mais do que só os números da calculadora.