A Guerra Fria 2.0 desembarca em Taiwan

Sob ameaça chinesa, Estados Unidos se aproximam da ilha chinesa em mais um episódio da disputa pelo poder econômico entre as duas maiores potências mundiais
23 de agosto de 2022 em Edições Impressas, Internacional
Apoiadores pró-China protestam em Hong Kong contra o encontro de Nancy Pelosi com Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan

No fim de julho, Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, anunciou que faria uma visita a Taiwan, na Ásia Oriental. A China considera a ilha parte de seu território e entende a visita da norte-americana como um apoio dos EUA à independência de Taiwan. A decisão da congressista gerou tensão entre as duas maiores potências mundiais em mais um capítulo da Guerra Fria 2.0, modo como a disputa geopolítica entre os dois países vem sendo chamada por alguns especialistas.

Durante uma videoconferência entre os presidentes dos dois países, Xi Jinping disse a Joe Biden que os EUA estavam brincando com fogo e poderiam se queimar. O líder norte-americano, por sua vez, chegou a afirmar que não achara a visita da parlamentar uma “boa ideia”, mas que não havia conseguido demovê-la da decisão. Pelosi, que é um dos principais nomes do Partido Democrata, tem um longo histórico de críticas ao governo chinês e já esteve em Taiwan em outras oportunidades. 

A viagem da congressista a Taiwan começou no dia 2 de agosto e provocou reações duras do governo chinês, que iniciou, pela primeira vez na história, exercícios militares com mísseis no nordeste e sudoeste da ilha. Seria o começo de mais uma guerra? Para especialistas, não. “Apesar das demonstrações de força, não estamos diante do início de mais um conflito. A intenção da China é gerar uma guerra psicológica, não um conflito armado”, diz Alexandre Pires, professor de economia e relações internacionais do Ibmec-SP. 

Segundo ele, apesar das ameaças, as chances de uma guerra são remotas. O que os acontecimentos mostram é um aumento da fragilidade da China. “Historicamente, quando um país está enfraquecendo, tende a recorrer mais a demonstrações militares. A ação chinesa é sinal de que o país sente que está perdendo posição no jogo geopolítico.”

O grande interesse do mundo por Taiwan está ligado à localização da ilha, que fica em um eixo de rotas marítimas que contornam o Mar do Sul da China, ou seja, uma região estratégica para o comércio. “Se a China consegue avançar para Taiwan e ter hegemonia, ela rompe uma barreira para chegar ao Pacífico”, diz Pires. “Estados Unidos e outras potências farão o que puderem para que isso não aconteça.”

Herança de Trump

Os atritos entre os dois países não são recentes, mas se intensificaram durante o governo de Donald Trump, entre os anos de 2017 e 2021. Crítico declarado da China, o ex-presidente adotou medidas rígidas contra o país asiático, incluindo o aumento de impostos sobre os produtos importados e o banimento da marca Huawei, fabricante de equipamentos de rede, do território norte-americano. Alegando que a China utilizava os produtos da marca para espionar a população dos Estados Unidos, Trump proibiu a marca de operar no país e impediu que empresas sediadas ali façam negócios, comprem ou vendam equipamentos para a companhia chinesa. Com Joe Biden na Casa Branca, o discurso norte-americano ficou menos inflamado, mas na prática, a relação entre as duas nações continua difícil. 

EUA e China buscam aumentar o poder geopolítico no cenário mundial. Em um mundo globalizado como o atual, acordos comerciais valem mais do que guerras e disputas de território para aumentar o poder. O embate visto agora é muito semelhante ao que ocorreu entre Estados Unidos e a antiga União Soviética após a Segunda Guerra Mundial, na chamada Guerra Fria (1947-1991). No período, os dois países, que eram as duas maiores potências mundiais, passaram a disputar o poder de influência sobre outras nações, no entanto, sem partir para um conflito armado, daí o nome Guerra Fria. A demonstração de poder acontecia com a corrida espacial (em que os dois países tentavam exibir superioridade em voos para o espaço) e o desenvolvimento de armas nucleares.

Já neste novo contexto mundial, com a globalização e o surgimento da internet, a China surge como grande potência para rivalizar com os EUA. A disputa está mais ligada ao desenvolvimento tecnológico e às influências comerciais de cada uma das nações. 

Para além da relação entre China e EUA, após a guerra da Ucrânia o mundo assiste a uma grande movimentação no posicionamento dos países, especialmente os mais ricos. “As peças do tabuleiro estão sendo movidas. Estamos vendo uma reaproximação da Europa Ocidental com os EUA e países como Finlândia e Suécia saindo da neutralidade”, afirma Alexandre Pires. 

Qual impacto essas mudanças têm para o Brasil? Para o professor do Ibmec-SP, o efeito para o Brasil é positivo. O país se torna mais interessante para o mundo, porque está mais distante das áreas de conflito. “Nas relações internacionais, investir no Brasil está mais barato e menos arriscado. Pode ser uma oportunidade de atrair mais capital.”

 Menina com celular. Foto criada por diana.grytsku - br.freepik.com

Já tem cadastro?

Acesse!

Não tem cadastro?

Assine!