Educação financeira para todos

11 de março de 2025 em Edições Impressas, Entrevista

No Brasil, 76,1% das famílias estão endividadas, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). Para muitas delas, lidar com dinheiro é um desafio diário.

Se a educação financeira fosse acessível a todos, desde a infância, a situação seria diferente? Danilo Ferraz, fundador do Instituto Futuro Para Todos, acredita que sim. Por isso ele criou uma Organização Não Governamental (ONG) para ajudar pessoas da periferia a transformar sua relação com o dinheiro.

Em uma conversa com a estudante Maria Gabriela S., de 16 anos, aluna do ensino técnico da E. E. Prof. Josué Benedicto Mendes, em Osasco, o empresário contou como sua história o levou a estudar educação financeira e como decidiu multiplicar seu conhecimento.

Você passou muita dificuldade na vida por causa de dinheiro?

Em casa, nunca passamos necessidade, mas meus pais não lidavam bem com o dinheiro. Meu pai é engenheiro. Ele ganhava bem, mas gastava muito, assim como muitas pessoas. Se ele recebia 10, gastava 15. Quando estava em um bom emprego, ele comprava terreno, moto, carro, tudo financiado. E, quando perdia o emprego ou acontecia alguma grande reviravolta econômica no país, ele precisava honrar aqueles pagamentos e entrava em cheque especial, no rotativo do cartão de crédito, pagava multa e, às vezes, chegava até a perder o que tinha comprado. Vendo isso, eu decidi que não permitiria que o mesmo acontecesse comigo.

O que você fazia antes de ter a ONG?

Eu sempre tive o sonho de viajar e conhecer outros países. Para realizar esse sonho, entendi que precisava falar inglês. Mas meus pais não tinham como pagar. Então, eu saí batendo de porta em porta em todas as escolas de inglês da minha cidade, São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. A maioria delas só me ofereceu um desconto de 20% ou até 50%, mas em uma delas, a dona me ofereceu um curso gratuito em troca de trabalho. Eu passava parte do dia fazendo tarefas como limpar o quadro depois das aulas, buscar café e levar o malote no banco em troca das aulas de inglês. Foi assim durante um ano, até que eu completei 18 anos e comecei a procurar outros empregos. Trabalhei em uma videolocadora, que era uma espécie de Netflix à qual você tinha que ir pessoalmente pegar o DVD para assistir. Um dos meus colegas lá, o André, de repente começou a postar fotos no Orkut, a rede social da época, cada dia em um país. Eu mandei uma mensagem e perguntei o que que ele estava fazendo. Ele me contou que estava trabalhando em um navio de cruzeiro. Perguntei o que era preciso para conseguir uma vaga. Ele respondeu que eu só precisava falar inglês. Empolgado com a possibilidade de realizar meu sonho de conhecer o mundo, eu mandei o meu currículo e fui contratado. Eu juntei cada centavo que ganhei no navio, fui o cara mais pão-duro que existe. Hoje entendo meu comportamento como escassez. Eu não me permitia fazer passeios bacanas para não gastar com táxi, deixava de pular de paraquedas para não gastar meus dólares. Deixei de viver muitas coisas e falo isso reconhecendo que fiz errado. Ainda assim, foi uma experiência incrível, que me permitiu conhecer 14 países. Voltei do navio com uma boa grana, o equivalente a uns 100 mil reais em valores de hoje. Quando comecei a pensar no que poderia fazer com aquele dinheiro, fui surpreendido pelo meu pai, dizendo que o escritório que ele tinha aberto havia quebrado e ele precisava de tudo que eu havia ganhado. Com esse pedido, todos os meus sonhos viraram pó com o pagamento de dívidas. Eu nunca mais vi aquele dinheiro.

Foi aí que você decidiu se dedicar à educação financeira?

A tristeza pela perda me ensinou que eu precisava entender o jogo da educação financeira. Se eu não entendesse isso, teria o mesmo destino que meus pais, meus avós, que em algum momento quebraram e nunca mais se recuperaram. E aí eu me dediquei a estudar esse tema pelos dez anos seguintes. Li todo tipo de livro a respeito, assisti a documentários. Tive mentoria com bilionários da bolsa brasileira, como Luiz Alves Paes de Barros, Luiz Barsi Filho e Roberto Setubal, acionista majoritário do Itaú. Eu pude aprender como eles administravam o próprio dinheiro, aplicar esses conceitos e ver o meu dinheiro crescendo e se multiplicando. Quanto mais aprendia, mas eu via que o problema que meus pais tinham enfrentado era um problema de todo o Brasil. O país tem quase 80% da população endividada e cerca de 50% vive com menos de um salário mínimo. É um país com muitas mazelas sociais e em que a necessidade de garantir o sustento da família se sobrepõe à necessidade de aprender educação financeira. Foi aí que decidi criar o Instituto Futuro Para Todos. Eu queria levar educação financeira para as periferias, favelas, escolas públicas, que é onde esse conhecimento é mais necessário, mas a que nunca chega.

Seu foco no instituto são os jovens?

O nosso foco eram pessoas a partir do ensino médio, especialmente mulheres, mas recentemente decidimos lançar um livro para crianças a partir de 7 anos, para dar as primeiras lições sobre como lidar com dinheiro.

Por que mulheres?

As mulheres chefiam 85% dos lares de periferia, porque, na maioria das vezes, o homem abandonou a família ou foi preso e deixou a esposa sozinha com os filhos. A partir desse dado, entendemos que, quando impactamos uma mulher com educação financeira, conseguimos mudar toda a estrutura familiar e até os sonhos. Porque a mulher consegue parar de se preocupar com problemas pontuais, específicos e urgentes e passa a pensar no que vai fazer daqui para a frente. Infelizmente, para algumas pessoas, sonhar é um luxo. Como é que uma mãe de família vai sonhar com o próximo passo se não tem comida para alimentar seus três filhos? É daí que vem o nome Instituto Futuro Para Todos, porque o futuro tem que ser para todos. Ele não pode ser um privilégio de poucos. Mas hoje, a capacidade de sonhar que um jovem tem na favela é diferente daquela que um jovem tem na Faria Lima, por exemplo.

Como funcionam as formações do instituto?

O Futuro Para Todos é muito único, muito singular em ensinar educação financeira de uma forma puramente social. Nós vamos a comunidades carentes e escolas públicas, e ninguém paga nada para receber a formação. Temos embaixadores que são voluntários. São pessoas que acreditam na educação financeira e dão aula porque querem contribuir de alguma forma. Eles estão espalhados por aí, em mais de oito estados do Brasil. Buscamos fazer de uma maneira bem didática e lúdica, de modo que a pessoa entenda sem precisar saber necessariamente o que é LCI e LCA ou Tesouro Selic. Ela necessita saber interagir com essas informações, ainda que não consiga explicar o funcionamento. É como eletricidade. Ninguém precisa entender como a energia elétrica chega até a lâmpada, só tem que bater o dedo no interruptor para acender a luz. O que não pode é a pessoa não saber interagir com esse universo. Eu posso escolher se vou aprender a tocar violão, guitarra, bateria, se vou dançar balé ou fazer caratê, mas não posso escolher se vou ou não lidar com dinheiro. Todos nós temos que lidar com dinheiro, seja para administrar o salário, seja para lidar com a escassez, seja para cuidar de recursos na velhice.

Você criou uma metodologia do instituto?

Criamos uma metodologia chamada equação de impacto social, inspirada nas quatro operações matemáticas básicas: somar, subtrair, multiplicar e dividir. Começamos dividindo o sonho de uma vida financeira saudável, somamos oportunidades por meio do conhecimento, subtraímos desigualdades na medida em que abrimos oportunidades para que a pessoa evolua nesse conhecimento e, por fim, multiplicamos o impacto ao convidar essa pessoa para se tornar parte do nosso ecossistema.

Tem algum caso de alguém que tenha mudado a vida após fazer seus cursos?

Em uma parceria com a ONG Entre o Céu e a Favela, os integrantes da entidade deram um cofrinho para cada participante e prometeram um prêmio para quem conseguisse guardar mais dinheiro ao longo do mês. A vencedora guardou 300 reais. Você pode pensar que esse valor não muda a vida de ninguém, mas quando perguntei a ela quanto conseguia fazer sobrar no fim do mês quando não tinha o conhecimento, ela disse que nunca juntava, pelo contrário, precisava pedir dinheiro emprestado de agiota. Isso é um avanço fantástico. Ela entendeu que, se conseguisse seguir esse ritmo, poderia realizar seus sonhos.

Hoje, com Tigrinho e bets, a educação financeira é mais importante?

Sim, com certeza. Eu percebi que é necessária muita informação para dar clareza sobre esse tema. Eu explico às alunas o funcionamento desse tipo de plataforma e mostro que não tem nada de sorte ou azar, que é uma fórmula calculada para dar uma recompensa inicial para fisgar interesse e fazer o usuário acreditar que, se jogar mais, vai ganhar. Quando eu explico isso para as pessoas, é como se elas saíssem de um transe, porque é um transe em que entram. Quando você vê um influenciador diante de uma mansão ou num carrão falando “usa o meu cupom que você vai se dar bem”, se não tiver muito esclarecimento, fica difícil resistir.

 Menina com celular. Foto criada por diana.grytsku - br.freepik.com

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