No fim de julho, Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, anunciou que faria uma visita a Taiwan, na Ásia Oriental. A China considera a ilha parte de seu território e entende a visita da norte-americana como um apoio dos EUA à independência de Taiwan. A decisão da congressista gerou tensão entre as duas maiores potências mundiais em mais um capítulo da Guerra Fria 2.0, modo como a disputa geopolítica entre os dois países vem sendo chamada por alguns especialistas.
Durante uma videoconferência entre os presidentes dos dois países, Xi Jinping disse a Joe Biden que os EUA estavam brincando com fogo e poderiam se queimar. O líder norte-americano, por sua vez, chegou a afirmar que não achara a visita da parlamentar uma “boa ideia”, mas que não havia conseguido demovê-la da decisão. Pelosi, que é um dos principais nomes do Partido Democrata, tem um longo histórico de críticas ao governo chinês e já esteve em Taiwan em outras oportunidades.
A viagem da congressista a Taiwan começou no dia 2 de agosto e provocou reações duras do governo chinês, que iniciou, pela primeira vez na história, exercícios militares com mísseis no nordeste e sudoeste da ilha. Seria o começo de mais uma guerra? Para especialistas, não. “Apesar das demonstrações de força, não estamos diante do início de mais um conflito. A intenção da China é gerar uma guerra psicológica, não um conflito armado”, diz Alexandre Pires, professor de economia e relações internacionais do Ibmec-SP.
Segundo ele, apesar das ameaças, as chances de uma guerra são remotas. O que os acontecimentos mostram é um aumento da fragilidade da China. “Historicamente, quando um país está enfraquecendo, tende a recorrer mais a demonstrações militares. A ação chinesa é sinal de que o país sente que está perdendo posição no jogo geopolítico.”
O grande interesse do mundo por Taiwan está ligado à localização da ilha, que fica em um eixo de rotas marítimas que contornam o Mar do Sul da China, ou seja, uma região estratégica para o comércio. “Se a China consegue avançar para Taiwan e ter hegemonia, ela rompe uma barreira para chegar ao Pacífico”, diz Pires. “Estados Unidos e outras potências farão o que puderem para que isso não aconteça.”
Herança de Trump
Os atritos entre os dois países não são recentes, mas se intensificaram durante o governo de Donald Trump, entre os anos de 2017 e 2021. Crítico declarado da China, o ex-presidente adotou medidas rígidas contra o país asiático, incluindo o aumento de impostos sobre os produtos importados e o banimento da marca Huawei, fabricante de equipamentos de rede, do território norte-americano. Alegando que a China utilizava os produtos da marca para espionar a população dos Estados Unidos, Trump proibiu a marca de operar no país e impediu que empresas sediadas ali façam negócios, comprem ou vendam equipamentos para a companhia chinesa. Com Joe Biden na Casa Branca, o discurso norte-americano ficou menos inflamado, mas na prática, a relação entre as duas nações continua difícil.
EUA e China buscam aumentar o poder geopolítico no cenário mundial. Em um mundo globalizado como o atual, acordos comerciais valem mais do que guerras e disputas de território para aumentar o poder. O embate visto agora é muito semelhante ao que ocorreu entre Estados Unidos e a antiga União Soviética após a Segunda Guerra Mundial, na chamada Guerra Fria (1947-1991). No período, os dois países, que eram as duas maiores potências mundiais, passaram a disputar o poder de influência sobre outras nações, no entanto, sem partir para um conflito armado, daí o nome Guerra Fria. A demonstração de poder acontecia com a corrida espacial (em que os dois países tentavam exibir superioridade em voos para o espaço) e o desenvolvimento de armas nucleares.
Já neste novo contexto mundial, com a globalização e o surgimento da internet, a China surge como grande potência para rivalizar com os EUA. A disputa está mais ligada ao desenvolvimento tecnológico e às influências comerciais de cada uma das nações.
Para além da relação entre China e EUA, após a guerra da Ucrânia o mundo assiste a uma grande movimentação no posicionamento dos países, especialmente os mais ricos. “As peças do tabuleiro estão sendo movidas. Estamos vendo uma reaproximação da Europa Ocidental com os EUA e países como Finlândia e Suécia saindo da neutralidade”, afirma Alexandre Pires.
Qual impacto essas mudanças têm para o Brasil? Para o professor do Ibmec-SP, o efeito para o Brasil é positivo. O país se torna mais interessante para o mundo, porque está mais distante das áreas de conflito. “Nas relações internacionais, investir no Brasil está mais barato e menos arriscado. Pode ser uma oportunidade de atrair mais capital.”